Rui Vilhena: "Estou triste com o que fizeram com Sedução"
Em três meses, a novela da TVI perdeu metade da audiência. O seu autor quebra, pela primeira vez, o silêncio e em entrevista exclusiva à Notícias TV diz que as constantes mudanças de horário ditaram o fracasso de Sedução. O guionista diz mesmo que, se for para lhe acontecer o mesmo, prefere não continuar a trabalhar com o canal.
Rui Vilhena está cansado de ouvir falar do fracasso de Sedução. O autor da novela está farto das mudanças de horário da história, que se estreou a 25 de Outubro às 21.25, passou uma semana depois para as 22.50 e mudou, já em Janeiro, para as 23.30. Feitas as contas, o balanço é assustador: nos últimos dias, a trama protagonizada por Fernanda Serrano e Nuno Homem de Sá registou uma média de 600 mil espectadores. Metade do que conseguiu na primeira semana de exibição, quando 1,2 milhões de portugueses acompanharam em média os primeiros cinco dias de novela.
Durante meses, Vilhena ouviu de tudo: desde os argumentos dos responsáveis da TVI, às críticas dos actores às constantes mudanças de horário, passando pelas análises da imprensa. "Estive sempre calado porque achei que não me devia pronunciar", conta, amargurado, à Notícias TV. Até hoje. Para ele chega de ouvir e calar. "Não podia continuar em silêncio. Decidi falar agora, pela primeira vez, para defender o meu trabalho e todas as pessoas que estão envolvidas nele e que acreditam na novela", justifica, não sem antes admitir que avisou os responsáveis do canal de que ia abrir o livro.
Rui Vilhena diz-se "triste com a situação e com a TVI". "A paciência do público tem limites e nós estamos a pagar agora a factura de andarmos constantemente a mudar o horário das novelas." O autor não tem dúvidas: "A novela foi prejudicada por uma decisão precipitada." A TVI matou a novela?, perguntamos-lhe. O guionista pensa, pensa, passa a mão pelo cabelo e responde: "Não posso responder a isso dessa forma, mas Sedução foi prejudicada, isso é evidente", assevera.
Vilhena, que foi autor de novelas de sucesso do passado recente da TVI como Ninguém como Tu, Tempo de Viver e Olhos nos Olhos, faz marcha atrás na história de Sedução para explicar com factos a sua teoria. "Sou uma pessoa muito chata, gosto de lidar com factos. Gosto de entender tudo, para poder fazer uma análise ou até uma autocrítica. Porque, vamos lá ser claros, esta até podia ser uma má novela. Pronto, eu tinha feito uma má novela. Acontecia, não era um drama. Ninguém é perfeito. Qualquer um de nós na sua vida profissional nem sempre faz tudo bem", diz à Notícias TV. O autor, porém, tem dificuldade em fazer mea culpa. "Com isto tudo por que Sedução já passou, com isto que a TVI fez à novela, eu não consigo perceber se fui eu que errei. Toda a gente me diz que a novela é óptima", sublinha. Até na TVI, afiança. Quer André Cerqueira, director de programas da estação quando a novela se estreou e responsável pela produtora Plural, quer João Cotrim Figueiredo, director-geral e agora com a pasta da programação. "Eles dizem-me sempre que a novela é boa, mas que vai melhorar e ganhar com a mudança de horário", recorda.
Os números, porém, demonstram o contrário, como se pode ver na curva de audiências apuradas pela Marktest. "Sedução fez uma óptima estreia. Aliás, fez melhor do que o primeiro episódio de Espírito Indomável, que é agora a novela campeã de audiências", recorda, referindo-se aos quase 1,4 milhões de espectadores que a sua novela registou a 25 de Outubro do ano passado.
Mudar ao fim de cinco episódios
"Na primeira semana a novela fez muito bem. Ao terceiro dia de emissão, a TVI decidiu mudar de horário. O que me foi dito é que a novela faria melhor num horário tardio. Eu não concordei. Mudar de horário ao fim de três ou quatro episódios quer significar alguma coisa, passa uma mensagem negativa cá para fora", recorda. Para o autor, considerado pela crítica como um dos melhores a escrever ficção televisiva em Portugal, "o princípio básico de qualquer programa é a fidelização". "É preciso um pouco de tempo e paciência", afirma, embora reconheça que "se um programa não funciona, o programador não pode ficar um mês a insistir no fracasso sem fazer nada".
Na opinião de Vilhena, isso não aconteceu. No primeiro dia em que a novela mudou de horário, a 1 de Novembro [mudança para as 22.50], perdeu quase 400 mil espectadores. "Passámos dos primeiros lugares de audiências para o décimo. Logo de um dia para o outro. Eu disse na reunião com os responsáveis da TVI que a novela assim estaria condenada. Mesmo assim, no final da semana recuperou até ao quinto lugar", afirma à NTV. As audiências confirmam-no: na sexta-feira, dia 5, Sedução já tinha recuperado 130 mil espectadores. "Se as pessoas não gostassem da novela, a história não tinha recuperado", diz.
As peripécias à volta da novela não ficaram por aqui. Perante o crescimento de Laços de Sangue, na SIC, a TVI reagiu. "Mudaram o alinhamento dos intervalos e reduziram os capítulos", constata. "Ainda há uma semana tive uma reunião na TVI e percebemos que estávamos a ver ainda o 46.º episódio. Numa novela que começou em Outubro!", afirma com tom inflamado. Para Rui Vilhena, "cortar os episódios é um absurdo". "Quando escrevo um episódio, escrevo numa lógica narrativa. Eu penso sempre no gancho final, para deixar suspense para o episódio seguinte."
Contrário à mudança de horários, que não fideliza espectadores, Rui Vilhena lembra que nem Ninguém como Tu nem Tempo de Viver sofreram o mesmo problema. "No tempo do Moniz não era assim. Essas duas novelas nunca foram empurradas. Depois, ainda com o Zé Eduardo, começou a haver essa estratégia, em que as novelas que iam estreando empurravam as outras."
"A TVI gosta do meu trabalho"
Vilhena nem quer pensar na ideia de que a TVI não gosta do seu trabalho. "Não tenho dúvidas que sim, eles gostam do meu trabalho. Se não gostassem daquilo que eu faço não me teriam contratado, não me teriam pedido este trabalho. Quando uma estação de televisão deixa de acreditar num colaborador, dispensa-o."
Atento ao que a concorrência tem feito na ficção [a SIC nas telenovelas e a RTP1 nas séries e minisséries], Rui Vilhena não quer falar em mudar de camisola. "Essa questão agora não se coloca. A minha prioridade é defender o produto", refere. Mas, questionado se continua com vontade de continuar a trabalhar para a TVI, dá uma resposta sem margem para dúvidas: "Se for para voltar a ter um produto com esta trajectória, não quero continuar. Não faz sentido."
Mal-estar generalizado
Rui Vilhena não é o único descontente no universo de Sedução. Fonte ligada à novela, que pede o anonimato, não tem qualquer dúvida e aponta o dedo ao alegado desnorte que se vive na estação. "Falta uma pessoa que oriente a estratégia da TVI. Foi Sedução que sofreu com isso, mas o mesmo pode acontecer com futuras novelas. Neste momento, nem sequer sabemos quantos episódios, afinal, vai ter Sedução", afirma à NTV, acrescentando que falta à TVI "um director do tipo do José Eduardo Moniz".
Contactado pela nossa revista, André Cerqueira, director da Plural, produtora da ficção, e que até meio de Novembro foi director de programas da TVI, estranha que se continue a dizer que Sedução é um flop. "Não sei porque insistem nessa questão. Os resultados são óptimos e continua a ser líder absoluta", diz.
A opinião não é corroborada por vários actores com quem a NTV falou nos últimos dias. Isabel Medina, directora de actores do projecto de Vilhena, não esconde a desilusão pelo horário tardio para que tem sido sucessivamente chutada a novela de Rui Vilhena. "O grande balde de água fria foi logo a primeira mudança, ou seja, quando a novela deixou de ser emitida no horário nobre e passou para as 23.00. Muito pouco tempo para fidelizar o público. Houve precipitação por parte da TVI. Gostaríamos que a estação tivesse dado mais tempo a Sedução", diz.
A segunda alteração de horário, há pouco mais de duas semanas, deixou o elenco "ainda mais desmotivado", revela Isabel Medina. E acrescenta que apenas na véspera foram informados da mudança. "Da primeira vez foi o André Cerqueira, então director de programas da TVI, que nos disse. Da segunda, o João Cotrim Figueiredo [director-geral] e o Bernando Bairrão [administrador-delegado da Media Capital] vieram de manhã cedo, pelas 09.00, e reuniram-se com os actores", revela a actriz.
A directora de actores recorda as explicações dadas ao elenco por parte dos dois responsáveis. "Disseram-nos que Sedução não estava a ter as audiências esperadas. Por outro lado, recebiam na TVI muitos protestos por não emitirem Mar de Paixão, que está quase a acabar, mais cedo. Iam, então, fazer a troca."
A actriz reconhece que Sedução "não é um novelão" e isso poderá afastar uma determina fatia de público. "O povo da província está habituado a histórias com ricos e pobres, grandes vilões e amores contrariados. Esta novela não tem isso e destina-se mais a uma classe média-alta."
No contacto com as pessoas na rua, Isabel Medina diz que já foi questionada sobre os desempenhos de determinados actores. "Perguntam-me porque é que o Nuno Homem de Sá [Belmiro] não é um vilão. Não gostam da personagem do João Perry [José Carlos Faria], mas adoram a Fernanda Serrano [Júlia] e a Maria João Luís [Alice]." Isabel Medina defende a "classe" da escrita de Rui Vilhena. "Como autor, deve sentir-se tremendamente frustrado. Esta novela tem muito de série. Aliás, para mim é como se fosse uma série. Só que mais longa. A TVI tinha muito a ganhar se encomendasse mais séries ao Rui Vilhena", sublinha a responsável pelos actores da novela.
Novela complexa de mais
Fernanda Serrano, cujo regresso às novelas era aguardado com grande expectativa, lamenta o horário tardio da novela. "Tenho pena de que o horário não me permita ver a novela", mas prefere não aumentar a polémica. "Os horários não são o meu pelouro", assegura. Uma coisa é certa: "Adoro a novela. Tenho um bom texto, gosto da história e sinto-me satisfeita com a personagem." No entanto, a conceituada actriz admite que a linguagem da novela pode ter afastado algum público. "É uma linguagem a que o público não está habituado. Até para mim, que pela primeira vez estou a participar numa novela do Rui Vilhena, é uma curiosidade", sustenta.
O veterano João Perry não entende por que a novela "foi chutada para tão tarde". O actor, que interpreta José Carlos Faria, defende que a novela "é muito bem escrita". "A desculpa que a TVI dá para atirar a novela para mais tarde é que a novela é elaborada de mais para um público popular. Dizem que não tem suficientes cenas de amor, que tem um contexto demasiado profundo", conta. Perry, porém, diz que "o público não é burro".
Paula Neves, que veste a pele de Laura, não tem dúvidas: "Preferia que a novela fosse em horário nobre. É pena não estar a passar mais cedo, porque agarraria mais público e seria um sucesso." No entanto, a actriz reconhece que está a "adorar fazer a novela". "Não podemos ficar chocados, devemos, isso sim, continuar a trabalhar e dar o nosso melhor", diz à Notícias TV. Já Maria João Luís prefere desdramatizar, mas não hesita em comentar as mudanças de horários. "Quem sabe, quem manda, com certeza que faz análises, avaliações, vê os números antes de tomar as suas opções. Agora, as pessoas erram, claro que sim. De facto, a novela quando arrancou tinha bons resultados, não sei porque mudaram", diz, acrescentando que a sua missão é "decorar textos e vestir bem a pele da personagem".
Rita Salema, por seu turno, dá o benefício da dúvida à direcção do canal. "Acho que a TVI sabe o que está a fazer", diz. E sustenta que "Sedução não tem uma linguagem para o grande público. Acho que as pessoas gostam mais de histórias de pescadores". Salema, que dá vida a Irene, elogia a escrita de Rui Vilhena: "É muito bem escrita, mas é intensa. Se se perde um ou dois episódios torna-se difícil de acompanhar."
Muito mais cáustica foi, recentemente, São José Correia, que interpreta Flor: "Não podemos negar que é injusto. Ao fim de cinco dias, despromoveram-nos. Mas já estou habituada. Só que desta vez nem esperaram."