Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Tudo-Sobre-A-TV

MAIS DO QUE UM BLOG SOBRE TELEVISÃO

Tudo-Sobre-A-TV

MAIS DO QUE UM BLOG SOBRE TELEVISÃO

ENTREVISTA a Manuel Luís Goucha. "Sou homem e gosto muito de o ser "

Actor durante dez anos, foi a televisão que o tornou conhecido. Ao i falou sobre a carreira, o seu livro e as polémicas
Manuel Luís Goucha, 55 anos, fotografado na sua casa em Fontanelas, perto de Sintra. Por perto andavam os oito cães do apresentador
Raul Solnado despediu-o do elenco de uma peça de teatro e foi assim que Manuel Luís Goucha entrou na televisão. Já passaram quase 30 anos desde que se estreou com um bigode farfalhudo a falar de receitas. Filho de pais divorciados, quase não teve relação com o pai, e em criança não tinha muitos amigos. Veio para Lisboa aos 17 anos e tornou-se num dos apresentadores de televisão mais famosos. Começou na RTP e há quase duas décadas que está nas manhãs da televisão. Apresenta com Cristina Ferreira na TVI "Você na TV", líder de audiências. O i foi o primeiro jornal a entrar na casa do apresentador. "Não têm medo de cães, pois não?", foi a primeira pergunta de Manuel Luís Goucha, de 55 anos, através do intercomunicador da sua casa em Fontanelas. Não tivemos e ficámos quase duas horas à conversa.
O programa "Mulheres da Minha Vida", e agora "De Homem para Homem", é um registo muito diferente do "Você na TV". Sempre quis fazer um programa destes?
Quando fui convidado para o programa da Alexandra Lencastre, "Conversa Indiscreta", disse que gostaria de fazer um programa de conversa e até tinha tema: "Mulheres da Minha Vida". Passado um mês convidaram-me.
Uma das entrevistadas foi a sua mãe.
Foi ela que quis. Quando lhe disse que ia fazer o programa, a resposta dela foi logo: "Tenho de ser a primeira." Depois acobardou-se. Chegou a adoecer. Acabou por aceitar, porque avisei-a que ia dizer que se tinha acobardado. Contei isso no "Você na TV". Conto tudo no programa, acho que é por isso que gostam tanto de mim.
Que imagem acha que os portugueses têm de si?
Vêem em mim alguém que é sincero e gosta de pessoas. Acho que os homens não acham muita graça. Também não estou nada preocupado, trabalho para o público feminino. Há um carinho especial por apresentadores como eu, a Cristina Ferreira, a Fátima Lopes, a Júlia Pinheiro, a Sónia Araújo ou o Jorge Gabriel. Os programas da tarde e da manhã têm a função social de fazer companhia, nós somos encarados como família.
Na entrevista, a sua mãe diz que sempre quis ser conhecido.
Em resposta à pergunta: "O que é que o menino quer ser quando for grande?", dizia sempre "ser conhecido". Que é uma parvoíce, uma necessidade de afirmação.
Porquê?
A minha família eram quatro gatos-pingados: eu, a minha mãe, o meu irmão e a minha avó. Fosse Natal ou Páscoa, o cenário não mudava. Sou filho de pais separados desde os três anos. O conceito de família não existia. Mas não ter um pai não me traumatizou. Achava o máximo ter uma mãe separada. Sempre fui muito avesso a coisas padronizadas.
Convivia com o seu pai?
Não. As separações naquele tempo não eram fáceis. A minha mãe saiu de Lisboa, onde nasci, e foi para Coimbra, onde vivia a minha avó. À conta das guerras que existiram, vi o meu pai 50 vezes na minha vida. Acho que a minha mãe, com 87 anos, ainda não resolveu a questão. Mesmo assim, disse-me sempre: "Antes o mal de inveja que o dó de piedade." Olhe, que a minha mãe era manicure e eu sou de uma família de gente remediada.
Queria ser conhecido a fazer o quê?
Só brincava a duas coisas: aos teatrinhos, com os bonecos que recortava dos livros, e às entrevistas. Aos dez anos, passava tardes a fazer entrevistas a figuras imaginárias, até em francês. Não me dava com outros meninos.
Porquê?
Era metido comigo, um marrão. Não tenho um amigo da primária nem do liceu.
Chegou a trabalhar como actor, o que via na representação?
Os aplausos e a hipótese de viver outros personagens. Quando fui actor, era disso que eu gostava: aplausos. Mais uma vez, queria que olhassem para mim. Tinha uma sensibilidade diferente e sentia que não me entendiam. Sempre gostei de música clássica, de bailado, de ópera. Não eram os gostos dominantes naquela classe. O meu irmão gostava era de bola. Os rapazes deviam gostar disso e se andassem à porrada, tanto melhor, era de homem.
Vem para Lisboa aos 17. Porquê?
Não queria ficar em Coimbra. Fui ter com o meu tio e trabalhei no seu gabinete de medalhística. Depois ele arranjou-me um emprego na Livraria Portugal e fui despedido. Punha-me a ler e não vendia.
Um jovem sozinho numa cidade grande, era muita festa e boémia?
Não me perdi. Com 17 anos fumei um charro num círculo de amigos, mas como nunca tinha fumado, não engoli o fumo. Mas fingi que estava tão pedrado como os outros. Sou muito careta. Nem sequer tabaco. Nunca apanhei uma bebedeira. Mas acho disparatado quando dizem que o álcool liberta as pessoas. Se se libertam com uma coisa falsa, então é uma mentira. Sempre me libertei e liberto- -me todas as manhãs. Sabe, sou muito bem resolvido.
Como entra para o teatro?
No 25 de Abril dá-se a explosão dos grupos de teatro. Foi a minha oportunidade. Durante dez anos trabalhei no teatro até entrar no Teatro Comercial, com o Raul Solnado, onde sou despedido.
Porquê?
Porque era mau actor e o Raul percebeu. Eu achava que tinha algum jeito, mas queria era os aplausos. Fiz umas coisas giras, mas não se faz um bom actor em dez anos. Nessa altura já escrevia receitas no jornal "Sete" e tinha dois projectos: um livro, "Banho Manel", com receitas da gente do teatro, e um programa de receitas para crianças. Depois de lançar o livro, proponho o programa à RTP e entro na televisão pela porta da cozinha.
Teve formação para fazer televisão?
Tinha a experiência do teatro e acho que nasci com o dom da comunicação. Tenho uma memória muito boa e nunca usei teleponto. Preparo tudo o que vou dizer e não tenho perguntas encomendadas. A seguir aos programas infantis, fui para a RTP Porto, fazer o "Ponto de Encontro". Disse em casa: "Vou para ganhar." Por isso não saía do hotel a estudar os temas. Quando acabo, Moniz convida-me para fazer o "Bom Dia" com Júlio Magalhães. Mas é preciso muito trabalho para singrar nesta área. Há pessoas que têm talento, mas não entendem que têm de ser cultos.
Podia dar exemplos?
A Merche Romero é um caso que me faz confusão. Não a conheço pessoalmente, mas é bonita, tem salero, luz, mas precisa de alguém que lhe diga que o caminho não é perder noites.
Quando apareceu na televisão, de bigode, parecia mais velho que hoje.
Pois é, é que eu já fui velho. Levava-me muito a sério. Até seria arrogante, tive um defeito: não deixava os convidados falar muito. Preparava-me tanto, que se o convidado não falava, falava eu por ele. Possivelmente envaideci nos primeiros tempos, porque queria tanto ser conhecido. Hoje acho uma chatice.
Lida bem com a fama?
Agora sim. Quando achei que o melhor era a fama, dei-me mal. No "Momento de Glória" tinha grandes vedetas, como Jeremy Irons, Catherine Deneuve, e sentia-me o supra-sumo. Estava tudo errado, a começar pela idade com que estava a fazer aquilo. Levei tanta pancada, o caminho é o trabalho e não o da fama. Também houve muita inveja, até de colegas. É uma profissão onde as amizades não abundam. É uma profissão com grande competitividade, egocentrismo, lidamos com a imagem e com o que temos de pior.
O facto de ser famoso trouxe-lhe algum dissabor?
Alguns. Mas só processei um programa, o "5 para a meia-noite". Não quero falar muito porque está em tribunal. Houve uma brincadeira que eu não posso admitir. Sou eleito a melhor apresentadora de 2009. Não admito isto em nome de todas as pessoas como eu, que possam ter outras opções na vida diferentes, mas não têm confusões com o género. Eu não sou mulher, sou um homem, gosto muito de ser homem, posso amar de maneira diferente. Há um limite. Encarei isso como humilhação para mim e todas as pessoas como eu.
Há dois anos deu uma entrevista pessoal em que fala do seu companheiro...
O que aconteceu, e não vou falar mais sobre isso, é que aquela pessoa ali ao meu lado [Rui Oliveira], além de sócio é a pessoa mais importante na minha vida, a seguir à minha mãe. Só disse isto. Aquilo foi assumido. Disse aquilo naturalmente numa conversa e nunca ouvi uma boca. Sou homem e posso amar um companheiro ou uma companheira, é uma decisão privada que não incomoda ninguém.
Receava a reacção das pessoas?
Não. Acho que é uma sequência. Sou delas há muitos anos, conhecem-me muito bem.
O Rui é seu sócio no restaurante, como corre a sua vida de empresário?
Sou um desastre, o meu restaurante já fechou. Não fui gerente e não estou por dentro das questões orçamentais. Mas o restaurante nasceu em 2008 e pouco depois entrámos na crise. Em Março comecei a ter menos tempo por causa do programa "Mulheres da Minha Vida". Como sócio fui chamado a pôr dinheiro para pagar ordenados. Houve meses em que os paguei na totalidade. Mas não podia mais. O que saiu na "TV7 Dias" [empregados disseram na revista que Goucha lhes devia dinheiro] é uma grande injustiça para a gestão do Rui. Sinto-me um bocadinho triste. Não devo um tostão aos funcionários.
Apesar disso tudo, a televisão é viciante?
É uma droga. Se tenho três horas de felicidade diária, acabo por me viciar. Pode estar tudo a desmoronar-se, mas quando estou na televisão, esqueço-me.
É bom ser reconhecido?
É bom ser gostado. Olhe, e fechamos o ciclo da conversa. Talvez por em miúdo ter sido muito metido comigo próprio e não me ter dado com muita gente.